Declaração de Punta del Este sobre a
Dignidade Humana para Todos em Todos os Lugares:
Setenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos
Dezembro de 2018
Preâmbulo
Considerando que há setenta anos, após o fim da Segunda Guerra Mundial, as nações e povos do mundo se uniram solene e solidariamente e adotaram sem divergências a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) como um ideal comum a ser alcançado por todos os povos e nações;
Considerando que o Preâmbulo da DUDH declara que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”;
Considerando que o Artigo 1º da DUDH proclama que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”;
Considerando que a igual dignidade humana de todas as pessoas em todos os lugares é o princípio fundamental dos direitos humanos e nos recorda que cada pessoa é valiosa e merecedora de respeito;
Considerando que é importante relembrar, reafirmar, e renovar o nosso compromisso com estes princípios básicos;
Recordando que foram as graves violações à dignidade humana durante as guerras do século XX, que precederam e desencadearam a DUDH;
Recordando que existe consenso internacional de que a legislação nacional, por si só, não foi suficiente para proteger e evitar violações das Guerras Mundiais contra os direitos humanos;
Recordando que, a despeito de todas as suas diferenças, as nações do mundo concordaram que a dignidade de todas as pessoas é o princípio fundamental dos direitos humanos e da liberdade, justiça e paz no mundo;
Recordando que a dignidade humana é a fonte e sustentação de todos os direitos e liberdades reconhecidos como fundamentais na DUDH;
Recordando que a DUDH tem servido de inspiração para uma gama de convenções e outros instrumentos internacionais e regionais, além de numerosas constituições nacionais, declarações e cartas de direitos, e legislação protetora dos direitos humanos;
Reconhecendo que a dignidade humana não é um conceito estático, mas que engloba o respeito à diversidade e requer uma abordagem dinâmica em sua aplicação nos diversos contextos num mundo pluralizado, em contínua mutação;
Reconhecendo que apesar da noção de dignidade ser criticada por alguns como muito abstrata, ela foi e continua sendo uma poderosa força organizativa que guia a humanidade rumo aos seus mais altos ideais e já demonstrou ser uma noção heurística de notável influência no discurso constitucional e sobre direitos humanos;
Reconhecendo que o conceito de dignidade humana enfatiza o caráter único e insubstituível de cada ser humano; que presume o direito de cada indivíduo de descobrir e definir o significado de sua própria vida; que pressupõe o respeito à pluralidade e à diversidade; e que carrega consigo a responsabilidade de honrar a dignidade de todos;
Reconhecendo que severas violações e abusos à dignidade humana se perpetuam até a atualidade, inclusive por meio de guerras, conflitos armados, genocídios, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, e das crises globais relacionadas a refugiados, migrantes, requerentes de asilo e tráfico de pessoas, e que tais transgressões seguem ameaçando a paz, a justiça e os direitos de todos;
Reconhecendo que os direitos humanos podem ser facilmente fragmentados, erodidos, ou negligenciados e que a constante vigilância é necessária para que esses direitos sejam implementados, realizados e espalhados pelo mundo;
Reconhecendo que a dignidade humana para todos, em todos os lugares e em todos os níveis é ameaçada quando as necessidades, os interesses e os direitos de um grupo ou indivíduo são priorizados em detrimento dos demais grupos ou indivíduos;
Enfatizando que a igual dignidade humana é um status do qual todo ser humano é dotado, mas que também é um valor que deve ser aprendido, cultivado e vivido;
Enfatizando que as violações à dignidade humana requerem uma reparação adequada;
Enfatizando que a dignidade humana é agora um princípio testado ao longo do tempo como capaz de ajudar a encontrar um espaço de entendimento em comum, reconciliar concepções divergentes sobre as demandas da justiça, facilitar a implementação dos direitos humanos, e guiar a resolução nos casos de conflitos, e que também pode nos ajudar a responder a distorções, abusos e hostilidades direcionados aos direitos humanos;
Acreditando que o discurso dos direitos humanos pode ser menos divisivo do que tem sido, e que maiores esforços podem ser feitos para encontrar convergências;
Acreditando que os direitos humanos devem ser interpretados e realizados em conjunto;
Acreditando que o conceito de dignidade humana pode nos ajudar a entender, proteger e implementar os direitos humanos globalmente; e
Desejando que o século presente seja mais humano, justo e pacífico que o século XX;
Nós, os signatários, reafirmamos solenemente que:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos continua a ser “o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva.”
Nós, os signatários, solenemente emitimos a seguinte Declaração sobre a Dignidade Humana para Todos em Todos Lugares:
1. Fundamento, Objetivo e Critério.
A dignidade humana inerente a todas as pessoas e a importância de respeitar, promover e proteger a dignidade humana de todos em todos os lugares é o princípio fundamental e a finalidade ou objetivo chave dos direitos humanos, bem como um critério inestimável para avaliar o nível de compatibilidade das leis, das políticas públicas e das ações governamentais segundo os padrões dos direitos humanos. Proteger, promover e garantir o respeito à dignidade humana para todos é uma obrigação fundamental dos Estados, governos e outros órgãos públicos, sejam locais, regionais, nacionais ou internacionais. Promover a dignidade humana é também uma responsabilidade de todos os setores da sociedade e de cada um de nós como seres humanos. Agir dessa maneira é a chave para proteger os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana e continua sendo o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
2. Gerar Acordos e Construir um Entendimento Comum
A dignidade inerente de cada ser humano foi a ideia-chave que, à época da adoção da DUDH, ajudou a gerar concordância e entendimento comum sobre os direitos humanos de todas as pessoas, apesar da diversidade e das profundas diferenças, não obstante as divergências entre os sistemas jurídico e político.
A dignidade humana para todos em todos os lugares é valiosa como um ponto de partida para explorar e entender o significado dos direitos humanos, como uma base para encontrar pontos comuns em relação aos direitos humanos e um consenso referente a seu conteúdo e significado. Ela fornece uma abordagem para a construção de pontes entre várias justificativas normativas dos direitos humanos, incluindo aquelas com fundamentos teóricos religiosos e seculares. Respeitar a dignidade humana de todos em todos os lugares facilita o debate sobre diferentes concepções de valores compartilhados. A dignidade humana é um conceito amplo que, entretanto, convida a uma reflexão profunda em meio a diferentes tradições e perspectivas.
A dignidade humana para todos nos lembra que os direitos humanos são universais, inalienáveis, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.
3. Definindo e Especificando Direitos Humanos
Dignidade é uma parte essencial do que significa ser humano. O respeito à dignidade humana para todos em todos os lugares ajuda a definir e entender o significado e alcance de todos os direitos humanos. Focar de maneira concreta e em situações reais no que tange à dignidade humana e as suas implicações para reivindicações específicas dos direitos humanos pode ajudar a identificar o conteúdo específico desses direitos, assim como a maneira de entender a própria dignidade humana.
4. Deveres e Responsabilidades
Dignidade humana para todos em todos os lugares enfatiza o conceito da DUDH de que os direitos são acompanhados de obrigações e responsabilidades, não apenas dos Estados, mas também de todos os seres humanos com relação aos direitos do outro. Dignidade é um status compartilhado por todo ser humano, e a ênfase em todos e em todos os lugares deixa claro que direitos são caracterizados pela reciprocidade e envolvem deveres correspondentes. Todos deveriam preocupar-se não somente com a sua própria dignidade e direitos, mas também com a dignidade e os direitos de cada ser humano. Não obstante, a dignidade humana não é diminuída em razão de pessoas que não cumprem suas responsabilidades perante o Estado e os demais.
5. Educação
O reconhecimento da dignidade humana é uma base vital para o ensino e a educação. A educação em direitos humanos é importante para promover o respeito pela igual dignidade de todos. Tal educação é essencial para a sustentação da dignidade e dos direitos humanos no futuro. A igualdade de acesso à educação é um aspecto crucial do respeito à dignidade humana.
6. Buscar Pontos Comuns
Focar na dignidade humana para todos em todos os lugares incentiva a busca de maneiras para encontrar um consenso a respeito de reivindicações conflitantes e ir além dos mecanismos exclusivamente jurídicos para harmonizar, implementar e mutuamente vindicar direitos humanos e encontrar soluções para conflitos.
7. Implementar e Promover os Direitos Humanos na Legislação
O reconhecimento da dignidade humana para todos em todos os lugares é um princípio jurídico fundamental e é central para o desenvolvimento e proteção dos direitos humanos por meio de leis e políticas públicas. A riqueza do conceito de dignidade resiste a uma definição exaustiva, mas encoraja a busca por um grau ótimo de mútua vindicação nas situações em que existem direitos e valores em conflito. É fundamental para superar posturas que se orientam exclusivamente em termos de escolhas e trocas entre direitos e interesses.
8. Conciliação e Atuação Judicial
O reconhecimento da dignidade humana para todos em todos os lugares é um importante princípio constitucional e legal para reconciliar e resolver demandas envolvendo direitos humanos, assim como demandas entre direitos humanos e outros importantes interesses nacionais e sociais. A reivindicação mútua de direitos pode ocorrer no âmbito de decisões judiciais e pode ser facilitada se todos os envolvidos tiverem como foco o respeito à dignidade humana de todos. Quando a reivindicação mútua por direitos não é possível, a dignidade para todos pode contribuir para delinear o alcance desses direitos, definir os limites das restrições aceitáveis no exercício dos direitos e liberdades, e procurar alcançar o justo equilíbrio entre pretensões de direitos conflitantes. O respeito pela dignidade tem um importante papel não somente nas decisões judiciais, mas também na mediação ou outras formas alternativas de resolução de conflitos.
9. Dificuldades Potenciais Envolvendo Direitos Humanos Concorrentes
O respeito à dignidade humana de todos em todos os lugares tem papel importante na defesa efetiva dos direitos humanos. O reconhecimento do caráter universal e recíproco da dignidade humana atua como um fator corretivo para posições que defendem direitos para alguns e não para outros. Isso ajuda a apaziguar a hostilidade que é comumente associada às controvérsias sobre os direitos humanos e a promover um diálogo construtivo. Também favorece a mitigação da distorção, do desvio e do reconhecimento seletivo da dignidade humana.
10. O Mais Execrável e o Mais Factível
A dignidade humana para todos em todos os lugares nos faz lembrar que devemos trabalhar para a eliminação dos mais execráveis abusos aos direitos humanos de indivíduos e grupos, incluindo genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra e outras atrocidades. Também nos lembra de proteger aqueles seres humanos em situação de maior risco de violações aos seus direitos humanos. Ao mesmo tempo, encoraja esforços para responder a problemas passíveis de soluções práticas e viáveis.