Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência

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Tradução não oficial realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos em Direito e Religião – CEDIRE

Non-official translation by the Brazilian Center of Studies in Law and Religion – CEDIRE

Nações Unidas A/HRC/22/17/Add.4

Assembleia Geral

Dist.: Geral

11 de janeiro de 2013

Original: Inglês


Vigésima segunda sessão

Conselho de Direitos Humanos

Ponto 2 da ordem do dia

Relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e relatórios do Gabinete do Alto Comissário e Secretário-Geral


Relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos

Adendo

Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre as oficinas de peritos sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso* **


Resumo

O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) organizou uma série de oficinas especializados sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso, nos quais foram explorados padrões legislativos, práticas judiciais e políticas a este respeito. Este relatório resume os resultados desta iniciativa. Em particular, apresenta pormenores sobre a reunião conclusiva com peritos organizada em Rabat em outubro de 2012, que reuniu conclusões e recomendações das oficinas de peritos e resultou na adoção pelos peritos do Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência, que está incluído no anexo do presente relatório.


* O resumo do presente relatório é divulgado em todas as línguas oficiais. O relatório, anexo ao resumo, é reproduzido apenas na língua de apresentação.

** Submissão tardia.

 

Anexo

[Apenas em inglês]


Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos sobre as oficinas de peritos sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso


Conteúdo


I. Introdução.......................................................................................................................... 1–15

II Oficinas especializadas sobre a proibição de incitamento ao ódio nacional, racial

ou religioso ................................................................................................................................. 16–18

 Apêndice: Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência

 

I. Introdução


1. No seguimento do seminário de peritos de 2008 sobre as ligações entre os artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos no que respeita à liberdade de expressão e ao incitamento ao ódio, o Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) organizou, em 2011 e 2012, uma série de oficinas especializadas sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso, nas quais foram explorados padrões legislativos, práticas judiciais e políticas a esse respeito.

2. Ao longo dos anos, testemunhamos uma série de incidentes que soaram alarmes sobre o nível de ódio e cinismo que permeou as sociedades. Infelizmente, alguns desses incidentes levaram a reações violentas e mortes. A defesa virulenta e cheia de ódio pode desencadear o pior dos crimes. Basta recordar exemplos recentes de violência pós-eleitoral estimulada pelo ódio ao longo das linhas étnicas; incidentes envolvendo grupos extremistas; retrato abusivo e malicioso, online ou na mídia tradicional, de certas religiões e seus seguidores. É claro que o ódio tem muitos rostos e está presente em todas as partes do mundo.

3. Na qualidade de Alto Comissário para os Direitos Humanos, manifestei minha preocupação perante a referência, muitas vezes extraordinariamente negativa, em muitos países, aos migrantes, mas também aos grupos minoritários, por meios de comunicação social, políticos e outros atores da sociedade. Pedi a adoção de medidas para conter as crescentes atitudes xenófobas e sublinhei a necessidade de denunciar rapidamente o discurso de ódio e processar os suspeitos de incitar a violência racial e aqueles que perpetraram ações racistas e violentas.

4. Condenei publicamente manifestações de ódio ou intolerância a seguidores de certas religiões e exortei os líderes religiosos e políticos a fazerem o possível para restaurar a calma. Condenei a violência, incluindo os assassinatos, que tem ocorrido em reação a tais incidentes em várias partes do mundo.

5. Embora o conceito de liberdade de expressão tenha sido bem estabelecido por muitos séculos nas tradições jurídicas em diferentes culturas, sua aplicação prática e reconhecimento ainda estão longe de ser universais. Em muitas partes do mundo, a liberdade de expressão ainda enfrenta grande resistência de quem se beneficia de silenciar a dissidência, de sufocar críticas ou de bloquear discussões sobre questões sociais desafiadoras.

6. Com o objetivo de melhorar a nossa compreensão da relação entre liberdade de expressão e incitação ao ódio, tomei a iniciativa de organizar uma série de oficinas especializadas, em diferentes regiões do mundo, para examinar legislação, jurisprudência e políticas nacionais no que diz respeito à proibição do ódio nacional, racial ou religioso, tal como refletido no direito internacional dos direitos humanos. Em outubro de 2012, o ACNUDH convocou uma reunião conclusiva de peritos em Rabat, Marrocos1, na qual foram discutidas as recomendações das primeiras oficinas de peritos, o que resultou na adoção do Plano de Ação de Rabat. O objetivo principal de todo o exercício foi realizar uma avaliação abrangente da aplicação da legislação, jurisprudência e políticas relativas à defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência a nível nacional e regional, incentivando o pleno respeito pela liberdade de expressão, protegida pelo direito internacional dos direitos humanos.

7. Um total de cinco oficinas especializadas foram realizadas em Viena (9-10 de fevereiro de 2011), Nairóbi (6-7 de abril de 2011), Bangkok (6-7 de julho de 2011), Santiago (12-13 de outubro de 2011) e Rabat (4-5 de outubro de 2012). Aprendemos que muitos governos, em resposta aos desafios acima descritos, reforçaram as leis existentes e introduziram novas medidas punitivas. O processo trouxe luz ao problema da legislação nacional insuficiente ou de provisões legais novas, vagas e pouco claras que foram introduzidas e estão suscetíveis de uso indevido. As discussões também mostraram a aplicação desigual e ad hoc dessas leis, agravadas muitas vezes pela ausência de instituições dedicadas e devidamente equipadas para implementá-las ou julgar a partir delas. Ao longo das discussões, foram apresentados exemplos do impacto negativo das leis antiblasfêmia; problemas relacionados com a limitação da liberdade de informação e do uso da Internet; assédio de jornalistas e defensores dos direitos humanos; ou casos em que membros de minorias são perseguidos, com um efeito silenciador sobre os outros, por meio do abuso de legislação, jurisprudência e políticas vagas ou contraproducentes.

8. Os organismos internacionais de peritos têm um papel crucial a desempenhar na orientação dos Estados na implementação das disposições de direitos humanos sobre incitação ao ódio, contribuindo assim para o desenvolvimento progressivo do direito internacional e para desarmar as tensões políticas. Em setembro de 2011, o Comitê de Direitos Humanos adotou o comentário geral n. 34 sobre liberdade de opinião e expressão, e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial começou a avaliar a possibilidade de uma recomendação geral sobre discurso de ódio racista. Além disso, os relatores especiais sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada foram apresentados em 2009 e 2011 pelos relatores especiais sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada; liberdade de religião ou crença; promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão.

9. Equilibrar adequadamente a liberdade de expressão e a proibição do incitamento ao ódio não é tarefa simples. Permitam-me que afirme claramente que quaisquer limitações a esta liberdade fundamental devem permanecer dentro de parâmetros estritamente definidos que derivam dos instrumentos internacionais de direitos humanos, em particular do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Internacional sobre a Eliminação da Discriminação Racial. O artigo 19, parágrafo 3, do Pacto estabelece um teste claro pelo qual a legitimidade de tais restrições pode ser avaliada. No entanto, é necessária uma orientação adicional no mundo real ao ponderar a liberdade de expressão e a proibição do incitamento ao ódio.

10. Em primeiro lugar, deve-se perceber que a questão de distinguir as formas de expressão que devem ser definidas como incitação ao ódio e, portanto, proibidas é contextual e as circunstâncias individuais de cada caso, como as condições locais, a história, as tensões culturais e políticas, devem ser levadas em conta. Um judiciário independente é, portanto, um componente vital no processo de julgar efetivamente os casos relacionados com o incitamento ao ódio.

11. Em segundo lugar, as restrições devem ser formuladas de forma a deixar claro que o seu único objetivo é proteger indivíduos e comunidades pertencentes a grupos étnicos, nacionais ou religiosos, mantendo crenças ou opiniões específicas, seja de natureza religiosa ou outra, da hostilidade, da discriminação ou da violência, em vez de proteger os sistemas de crenças, as religiões ou as instituições em si contra a crítica. O direito à liberdade de expressão implica que deve ser possível examinar, debater abertamente e criticar os sistemas de crenças, opiniões e instituições, incluindo as religiosas, desde que isso não constitua defesa ao ódio que incite a violência, a hostilidade ou a discriminação contra um indivíduo ou grupo de indivíduos.

12. Em terceiro lugar, no que diz respeito às sanções internas, é essencial estabelecer uma distinção cuidadosa entre (a) formas de expressão que constituam uma infração penal; (b) formas de expressão que não sejam puníveis criminalmente, mas que possam justificar uma ação civil; e (c) formas de expressão que não dão origem a sanções penais ou civis, mas ainda suscitam preocupações em termos de tolerância, civilidade e respeito pelas convicções de outros.

13. O Conselho de Direitos Humanos, por seu lado, tomou também medidas decisivas; em março de 2011, adotou a Resolução 16/18, por unanimidade, que fornece um roteiro abrangente para adoção de esforços nacionais e internacionais coordenados com o fim de garantir que certos direitos e liberdades não sejam mal utilizados para minar a liberdade de religião ou crença.

14. Como salientaram os peritos, o Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência visa facilitar e reforçar a implementação e a proteção dos direitos humanos neste contexto difícil. O documento contém conclusões e recomendações destinadas a orientar melhor todas as partes interessadas, incluindo o legislador nacional e o judiciário, na implementação da obrigação internacional de proibição do incitamento ao ódio. É o resultado de um processo de baixo para cima, multissetorial e consultivo realizado em quatro regiões, e que gozou da participação de 45 especialistas de diferentes origens culturais e tradições jurídicas.

15. Espero que esta importante iniciativa estimule efetivamente os esforços nacionais, facilitados pela cooperação internacional, no sentido da plena implementação das obrigações internacionais pertinentes em matéria de direitos humanos; e que nos ajudará a todos enquanto nos esforçamos para combater a escalada de preconceitos baseada nas divisões étnicas, nacionais ou religiosas e quebrar o ciclo vicioso do ódio e da retribuição.


II. Oficinas especializadas sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso


16. Em 2011, o ACNUDH organizou quatro oficinas regionais na Europa (Viena, 9-10 de fevereiro de 2011), África (Nairóbi, 6-7 de abril de 2011), na região Ásia-Pacífico (Bangkok, 6-7 de julho de 2011) e nas Américas (Santiago do Chile, 12-13 de outubro de 2011). Informações sobre esses eventos, incluindo relatórios sobre as discussões realizadas, podem ser encontradas em http://www.ohchr.org/EN/Issues/FreedomOpinion/Articles19-20/Pages/Index.aspx.

17. Ao fundamentar o debate sobre o incitamento ao ódio no direito internacional dos direitos humanos, o objetivo da série de oficinas especializadas foi tríplice: obter uma melhor compreensão dos padrões legislativos, das práticas judiciais e das políticas relativas ao conceito de incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso, garantindo o pleno respeito pela liberdade de expressão, conforme descrito nos artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; chegar a uma avaliação abrangente do estado de implementação da proibição de tal incitamento em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos; e identificar possíveis ações em todos os níveis.

18. Em outubro de 2012, o ACNUDH organizou uma reunião de fechamento com peritos em Rabat, que marcou o culminar deste processo, reunindo conclusões e recomendações das oficinas de peritos e resultando na adoção do Plano de Ação de Rabat pelos peritos (em anexo).

 


NOTAS DE RODAPÉ:

1 Para obter a lista de especialistas que participaram da reunião, e informações sobre os antecedentes, consulte http://www.ohchr.org/EN/Issues/FreedomOpinion/Articles19-20/Pages/Index.aspx.



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Apêndice


Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência1


Conclusões e recomendações emanadas das quatro oficinas regionais de peritos organizadas pelo ACNUDH em 2011 e adotadas por peritos na reunião de Rabat, Marrocos, em 5 de outubro de 2012


I. Prefácio


1. Em 2011, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) organizou uma série de oficinas especializadas, em várias regiões, sobre incitação ao ódio nacional, racial ou religioso, como refletido no direito internacional dos direitos humanos. Durante as oficinas, os participantes consideraram a situação nas respetivas regiões e discutiram respostas estratégicas, tanto legais quanto não legais, ao incitamento ao ódio.

2. As oficinas foram realizadas na Europa (Viena, 9 e 10 de fevereiro de 2011), África (Nairóbi, 6 e 7 de abril de 2011), na região Ásia-Pacífico (Bangkok, 6 e 7 de julho de 2011) e nas Américas (Santiago do Chile, 12 e 13 de outubro de 2011).2 Ao fazê-lo, o ACNUDH teve como objetivo realizar uma avaliação abrangente da aplicação da legislação, jurisprudência e políticas relativas à defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência a nível nacional e regional, ao mesmo tempo em que incentiva o pleno respeito pela liberdade de expressão protegida pelo direito internacional dos direitos humanos. Esta atividade centrou-se na relação entre liberdade de expressão e discurso de ódio, especialmente em relação a questões religiosas – uma questão que infelizmente criou atrito e violência entre e dentro de diversas comunidades, e que tem vindo a estar cada vez mais sob enfoque.

3. As oficinas de especialistas em 2011 geraram uma riqueza de informações, bem como um grande número de sugestões práticas para uma melhor implementação das normas internacionais relevantes em matéria de direitos humanos.3 Para fazer um balanço dos resultados da série de oficinas de 2011, o ACNUDH convocou uma oficina de peritos final em Rabat, Marrocos, nos dias 4 e 5 de outubro de 2012, para realizar uma análise comparativa dos resultados das quatro oficinas, identificar possíveis ações em todos os níveis e refletir sobre as melhores maneiras e meios de compartilhar experiências.

4. Os quatro moderadores e os peritos que participaram das quatro oficinas regionais, incluindo o Relator Especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, o Relator Especial para a liberdade de religião ou de crença e o Relator Especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexas, um membro da Comissão para a Eliminação da Discriminação Racial e um representante da organização não governamental Artigo 19 participaram da oficina em Rabat.

5. De acordo com a prática das oficinas regionais, os Estados-Membros foram convidados a participar como observadores e foram encorajados a incluir nas delegações peritos de suas capitais. Os departamentos, fundos e programas relevantes das Nações Unidas, bem como as organizações internacionais e regionais relevantes, as instituições nacionais de direitos humanos e as organizações da sociedade civil (incluindo a academia, os jornalistas e as organizações baseadas na fé) também puderam participar como observadores.

6. O documento resultante a seguir reflete as conclusões e recomendações acordadas pelos especialistas que participaram na oficina de Rabat.


II. Contexto


7. À medida que o mundo está cada vez mais interligado e à medida que o tecido das sociedades se tornou mais multicultural em sua natureza, houve uma série de incidentes nos últimos anos, em diferentes partes do mundo, que trouxeram renovada atenção à questão do incitamento ao ódio. Também deve ser sublinhado que muitos dos conflitos mundiais nas últimas décadas também - em graus variados - contêm um componente de incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso.

8. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Em nenhum lugar esta interdependência é mais óbvia do que na discussão sobre a liberdade de expressão em relação a outros direitos humanos. A realização do direito à liberdade de expressão permite um debate de interesse público vibrante e multifacetado, dando voz a diferentes perspetivas e pontos de vista. O respeito pela liberdade de expressão tem um papel crucial a desempenhar na garantia da democracia e do desenvolvimento humano sustentável, bem como na promoção da paz e da segurança internacionais.

9. Infelizmente, indivíduos e grupos sofreram várias formas de discriminação, hostilidade ou violência por causa de sua etnia ou religião. Um desafio particular a este respeito é conter os efeitos negativos da manipulação de raça, origem étnica e religião e proteger-se contra o uso adverso de conceitos de unidade nacional ou identidade nacional, que são frequentemente instrumentalizados para, entre outros, fins políticos e eleitorais.

10. Muitas vezes é pressuposto que a liberdade de expressão e a liberdade de religião ou crença estão em uma relação tensa ou mesmo contraditória. Na realidade, são mutuamente dependentes e se reforçam. A liberdade de exercer ou não a sua religião ou crença não pode existir se a liberdade de expressão não for respeitada, uma vez que o discurso público livre depende do respeito pela diversidade de convicções que as pessoas podem ter. Da mesma forma, a liberdade de expressão é essencial para criar um ambiente em que se possa realizar uma discussão construtiva sobre questões religiosas. Na verdade, o pensamento livre e crítico em debate aberto é a maneira mais sólida de investigar se as interpretações religiosas aderem ou distorcem os valores originais que sustentam a crença religiosa.

11. É preocupante que os autores de incidentes, que de fato atingem o limiar do artigo 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, não sejam processados e punidos. Ao mesmo tempo, os membros das minorias são perseguidos de fato, com um efeito silenciador sobre os outros, por meio do abuso de legislação, jurisprudência e políticas internas vagas. Essa dicotomia de (1) não-persecução de casos de incitamento “reais” e (2) perseguição de minorias sob o disfarce de leis nacionais de incitamento parece ser comum. As leis anti-incitamento em países do mundo inteiro podem ser qualificadas como heterogêneas, por vezes excessivamente estreitas ou vagas. A jurisprudência sobre o incitamento ao ódio tem sido escassa e ad hoc, e embora vários Estados tenham adotado políticas relacionadas, a maioria delas é muito geral, não sistematicamente acompanhada, sem foco e desprovida de avaliações de impacto adequadas.

12. A realização das quatro oficinas em diferentes regiões do mundo e a oficina de finalização em Rabat foi uma iniciativa muito oportuna e útil. Gozaram da plena participação dos peritos competentes dos órgãos de tratados e dos titulares de mandatos de procedimentos especiais.


III. Implementação da proibição do incitamento ao ódio


13. Neste contexto, as seguintes conclusões e recomendações constituem a síntese desta longa, transparente e profunda reflexão por parte dos peritos. As conclusões – no domínio da legislação, da infraestrutura judicial e das políticas – destinam-se a orientar melhor todas as partes interessadas na implementação da proibição internacional de qualquer defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência.


A. Legislação

Conclusões

14. De acordo com as normas internacionais de direitos humanos, que objetivam orientar a legislação ao nível nacional, expressões rotuladas como “discurso de ódio” podem ser restringidas nos termos dos artigos 18 e 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos por diferentes motivos, incluindo o respeito pelos direitos de terceiros, ordem pública ou, por vezes, segurança nacional. Os Estados também são obrigados a “proibir” expressão que constitua “incitação” à discriminação, hostilidade ou violência (art. 20, par. 2, do Pacto e, sob algumas condições diferentes, art. 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial).

15. As discussões nas várias oficinas demonstraram a ausência de uma proibição legal de incitamento ao ódio em muitos ordenamentos jurídicos nacionais em todo o mundo, enquanto a legislação que proíbe o incitamento ao ódio usa terminologia variável e é muitas vezes inconsistente com o artigo 20 do Pacto. Quanto mais ampla for a definição de incitamento ao ódio na legislação interna, mais abre-se a porta para a aplicação arbitrária das leis. A terminologia relativa aos delitos de incitação ao ódio nacional, racial ou religioso varia de país para país e é cada vez mais vaga, enquanto novas categorias de restrições ou limitações à liberdade de expressão estão sendo incorporadas na legislação nacional. Isso contribui para o risco de má interpretação do artigo 20 do Pacto e limitações adicionais à liberdade de expressão que não estão contidas no artigo 19 do Pacto.

16. Alguns países consideram o incitamento ao ódio racial e religioso como ofensas, enquanto outros consideram apenas o incitamento ao ódio em linhas raciais/étnicas como ofensas. Alguns países também reconhecem a proibição do incitamento ao ódio por outros motivos. As disposições nacionais variam entre o direito civil e o direito penal: em muitos países, o incitamento ao ódio é uma ofensa criminal, enquanto em alguns países, é uma ofensa tanto ao abrigo do direito penal como civil ou apenas ao abrigo do direito civil.

17. Ao nível internacional, a proibição do incitamento ao ódio está claramente estabelecida no artigo 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e no artigo 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. No seu comentário geral n. 34 (2011) sobre as liberdades de opinião e de expressão, o Comitê de Direitos Humanos salienta que 

“proibições de manifestações de falta de respeito por uma religião ou outro sistema de crenças, incluindo leis de blasfêmia, são incompatíveis com o Pacto, exceto nas circunstâncias específicas previstas no artigo 20, parágrafo 2, do Pacto. Tais proibições devem também cumprir os requisitos rigorosos do artigo 19, parágrafo 3, bem como artigos como 2, 5, 17, 18 e 26 do PIDCP. Assim, por exemplo, seria inadmissível que tais leis discriminassem a favor ou contra uma ou certas religiões ou sistemas de crença, ou seus adeptos em detrimento de outra, ou crentes religiosos em detrimento de não-crentes. Nem seria permitido que tais proibições fossem usadas para prevenir ou punir críticas a líderes religiosos ou comentários sobre doutrina religiosa e princípios da fé” (par. 48).

18. O artigo 20 do Pacto exige um alto limiar porque, por princípio fundamental, a limitação da expressão deve permanecer uma exceção. Esse limiar deve ter em conta as disposições do artigo 19 do Pacto. Com efeito, o teste de três partes (legalidade, proporcionalidade e necessidade) para restrições também se aplica aos casos que envolvem incitamento ao ódio, na medida em que tais restrições devem ser previstas por lei, ser estritamente definidas para servir um interesse legítimo e ser necessárias em uma sociedade democrática para proteger esse interesse. Isto implica, entre outras coisas, que as restrições são definidas de forma clara e estreita e respondem a uma necessidade social premente; são a medida menos intrusiva disponível; não são excessivamente amplas, de modo a não restringir a expressão de forma ampla ou não direcionada; e são proporcionadas de modo a que o benefício para os interesses protegidos supere os prejuízos à liberdade de expressão, inclusive no que diz respeito às sanções que autorizam.4

19. Ao nível nacional, as leis sobre a blasfêmia são contraproducentes, uma vez que podem resultar em censura de fato de todos os diálogos, debates e críticas inter-religiosos ou crenças e intra-religiosos ou crenças, a maioria dos quais poderia ser construtiva, saudável e necessária. Além disso, muitas leis de blasfêmia oferecem diferentes níveis de proteção a diferentes religiões e muitas vezes provaram ser aplicadas de forma discriminatória. Há numerosos exemplos de perseguição de minorias religiosas ou dissidentes, mas também de ateus e não-teístas, como resultado de legislação sobre o que constitui ofensas religiosas ou aplicação exagerada de leis que contêm linguagem neutra. Além disso, o direito à liberdade de religião ou crença, conforme consagrado em normas legais internacionais relevantes, não inclui o direito de ter uma religião ou uma crença que esteja livre de críticas ou zombaria.

Recomendações

20. Em termos de princípios gerais, deve ser feita uma distinção clara entre três tipos de expressão: expressão que constitui uma infração penal; expressão que não é criminalmente punível, mas que pode justificar uma ação civil ou sanções administrativas; expressão que não dá origem a sanções penais, civis ou administrativas, mas ainda suscita preocupação em termos de tolerância, civilidade e respeito pelos direitos de outrem.

21. Tendo em conta a inter-relação entre os artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os Estados devem assegurar que o seu quadro jurídico interno sobre incitação ao ódio seja pautado por referência expressa ao artigo 20, parágrafo 2, do Pacto (“... defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência...”), e deve considerar incluir definições sólidas de termos-chave como ódio, discriminação, violência, hostilidade, entre outros. A este respeito, a legislação pode extrair, entre outras coisas, das orientações e definições5 fornecidas nos Princípios de Camden.6

22. Os Estados devem garantir que o teste de três partes – legalidade, proporcionalidade e necessidade - para restrições à liberdade de expressão também se aplicam aos casos de incitação ao ódio.

23. Os Estados devem fazer uso das orientações fornecidas pelos mecanismos internacionais de especialistas em direitos humanos, incluindo o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial e seu comentário geral n. 34 (2011) e recomendação geral n. 15 (1993), respetivamente, bem como os respetivos mandatários titulares de procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos.

24. Os Estados são encorajados a ratificar e implementar efetivamente os instrumentos internacionais e regionais relevantes em matéria de direitos humanos, remover quaisquer reservas e honrar as suas obrigações de prestação de contas.

25. Os Estados que têm leis de blasfêmia devem revogá-las, pois tais leis têm um impacto sufocante no gozo da liberdade de religião ou crença, assim como no diálogo saudável e debate sobre religião.

26. Os Estados devem adotar uma legislação antidiscriminação abrangente que inclua ações preventivas e punitivas para combater eficazmente o incitamento ao ódio.


B. Jurisprudência

Conclusões

27. Uma infraestrutura judicial independente que seja regularmente atualizada no que diz respeito às normas e jurisprudência internacionais e com os membros agindo de forma imparcial e objetiva, bem como o respeito pelas regras do devido processo, são cruciais para garantir que os fatos e as qualificações jurídicas de qualquer caso individual sejam avaliados de forma coerente com os padrões internacionais de direitos humanos. Isso deve ser complementado por outros pesos e contrapesos para proteger os direitos humanos, tais como instituições nacionais independentes de direitos humanos estabelecidas em conformidade com os Princípios de Paris.

28. Muitas vezes, há um recurso muito baixo a mecanismos judiciais e quasi-judiciais em alegados casos de incitamento ao ódio. Em muitos casos, as vítimas são de grupos desfavorecidos ou vulneráveis e a jurisprudência sobre a proibição do incitamento ao ódio não está prontamente disponível. Isto deve-se à ausência ou inadequação da legislação ou à falta de assistência judicial para minorias e outros grupos vulneráveis que constituem a maioria das vítimas de incitamento ao ódio. A fraca jurisprudência também pode ser explicada pela ausência de arquivos acessíveis, mas também pela falta de recurso aos tribunais devido à pouca consciência entre o público em geral, bem como a falta de confiança no judiciário.

29. Sugeriu-se que se buscasse um alto limiar para definir restrições à liberdade de expressão, incitamento ao ódio e para a aplicação do artigo 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. A fim de estabelecer a gravidade como a consideração subjacente dos limiares, o incitamento ao ódio deve referir-se à forma mais severa e profundamente sentida de opróbrio. Para avaliar a gravidade do ódio, possíveis elementos podem incluir a crueldade ou intenção da declaração ou dano defendido, a frequência, quantidade e extensão da comunicação. A este respeito, foi proposto um teste de limiar de seis partes para expressões consideradas infrações penais:

(a) Contexto: O contexto é de grande importância quando se avalia se declarações específicas são suscetíveis de incitar discriminação, hostilidade ou violência contra o grupo-alvo, e pode ter uma influência direta na intenção e/ou na causalidade. A análise do contexto deve situar o ato de fala no contexto social e político predominante no momento em que o discurso foi feito e disseminado;

(b) Agente: Deve ser considerada a posição ou o status do orador na sociedade, especificamente a posição do indivíduo ou da organização no contexto do público a quem o discurso é dirigido;

(c) Intenção: O artigo 20 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê intenção. Negligência e imprudência não são suficientes para que um ato seja uma ofensa nos termos do artigo 20 do Pacto, pois este artigo prevê “defesa” e “incitamento” em vez da mera distribuição ou circulação de material. Nesse sentido, requer a ativação de uma relação triangular entre o objeto e o sujeito do ato de fala, bem como o público.

(d) Conteúdo e forma: O conteúdo do discurso constitui um dos focos centrais das deliberações do tribunal e é um elemento crucial do incitamento. A análise de conteúdo pode incluir o grau em que o discurso foi provocativo e direto, bem como a forma, estilo, natureza dos argumentos utilizados no discurso ou o equilíbrio entre os argumentos utilizados;

(e) Extensão do ato de fala: A extensão inclui elementos como o alcance do ato de fala, sua natureza pública, sua magnitude e o tamanho de seu público. Outros elementos a considerar incluem se o discurso é público, que meios de divulgação são utilizados, por exemplo, por meio de um único folheto ou transmissão nos principais meios de comunicação ou pela Internet, a frequência, a quantidade e a extensão das comunicações, se o público tinha meios para agir a partir do incitamento, se a declaração (ou obra) é circulada em um ambiente restrito ou amplamente acessível ao público em geral;

(f) Probabilidade, incluindo iminência: O incitamento, por definição, é um crime de perigo. A ação defendida pelo discurso de incitamento não tem de ser cometida para que esse discurso represente um crime. No entanto, algum grau de risco de dano deve ser identificado. Isso significa que os tribunais terão que determinar se havia uma probabilidade razoável de que o discurso seria bem sucedido em incitar a ação real contra o grupo-alvo, reconhecendo que tal causação deveria ser bastante direta.

Recomendações

30. Os tribunais nacionais e regionais devem ser regularmente atualizados sobre as normas internacionais e a jurisprudência internacional, regional e comparativa relativa ao incitamento ao ódio, pois quando confrontados com tais casos, os tribunais precisam realizar uma análise aprofundada baseada num exame de limiar bem construído.

31. Os Estados devem assegurar o direito a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal competente, independente e imparcial estabelecido por lei.

32. Deve ser dada a devida atenção às minorias e grupos vulneráveis, prestando assistência jurídica e outros tipos de assistência aos seus membros.

33. Os Estados devem garantir que as pessoas que sofreram danos reais devido ao incitamento ao ódio tenham direito a remédios efetivos, incluindo medidas cíveis ou não judiciais por danos.

34. As sanções penais relacionadas com formas de expressão ilegais devem ser consideradas como medidas de último recurso a serem aplicadas apenas em situações estritamente justificáveis. As sanções civis e os remédios também devem ser considerados, incluindo danos pecuniários e não pecuniários, juntamente com o direito de correção e o direito de resposta. Devem também ser consideradas sanções e recursos administrativos, incluindo os identificados e postos em vigor por vários organismos profissionais e reguladores.


C. Políticas

Conclusões

35. Embora uma resposta legal seja importante, a legislação é apenas parte de uma caixa de ferramentas maior para responder aos desafios do discurso de ódio. Qualquer legislação pertinente deve ser complementada por iniciativas de vários setores da sociedade voltadas para uma pluralidade de políticas, práticas e medidas que promovam a consciência social, a tolerância e a compreensão da mudança e a discussão pública. Isso tem como objetivo criar e fortalecer uma cultura de paz, tolerância e respeito mútuo entre indivíduos, funcionários públicos e membros do poder judiciário, bem como tornar as organizações midiáticas e lideranças religiosas/comunitários mais eticamente conscientes e socialmente responsáveis. Os Estados, os meios de comunicação social e a sociedade têm a responsabilidade coletiva de assegurar que os atos de incitação ao ódio sejam rebatidos e respondidos com as medidas apropriadas, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos.

36. Os líderes políticos e religiosos devem abster-se de usar mensagens de intolerância ou expressões que possam incitar a violência, hostilidade ou discriminação; mas também têm um papel crucial a desempenhar na expressão firme e prontamente contra a intolerância, estereotipagem discriminatória e casos de discurso de ódio. Deve-se deixar claro que a violência nunca pode ser tolerada como resposta ao incitamento ao ódio.

37. Para enfrentar as raízes causadoras da intolerância, é necessário um conjunto muito mais amplo de medidas políticas, por exemplo, nas áreas do diálogo intercultural – conhecimento e interação recíprocos –, educação sobre pluralismo e diversidade, e políticas que permitam às minorias e aos povos indígenas exercer o seu direito à liberdade de expressão.

38. Os Estados têm a responsabilidade de garantir espaço para que as minorias gozem dos seus direitos e liberdades fundamentais, por exemplo, facilitando o registro e o funcionamento das organizações de comunicação social minoritárias. Os Estados devem fortalecer as capacidades das comunidades para acessar e expressar uma série de visões e informações e abraçar o diálogo e o debate saudáveis que possam abranger.

39. Certas regiões têm uma preferência marcada por uma abordagem não legislativa para combater o incitamento ao ódio por meio, em particular, da adoção de políticas públicas e do estabelecimento de vários tipos de instituições e processos, incluindo comissões de verdade e reconciliação. O importante trabalho dos mecanismos regionais de direitos humanos, dos organismos especializados, de uma sociedade civil vibrante e de instituições de monitoramento independentes é fundamentalmente importante em todas as regiões do mundo. Além disso, valores tradicionais positivos, compatíveis com normas e padrões internacionalmente reconhecidos de direitos humanos também podem contribuir para combater o incitamento ao ódio.

40. A importância dos meios de comunicação social e de outros meios de comunicação pública para permitir a liberdade de expressão e a realização da igualdade é fundamental. Os meios de comunicação tradicionais continuam a desempenhar um papel importante a nível global, mas estão a sofrer uma transformação significativa. As novas tecnologias – incluindo a transmissão digital, a telefonia móvel, a Internet e as redes sociais – melhoram amplamente a divulgação da informação e abrem novas formas de comunicação, como a blogosfera.

41. As medidas tomadas pelo Conselho de Direitos Humanos, em especial a adoção, sem voto, da Resolução 16/18 sobre o combate à intolerância, aos estereótipos negativos e à estigmatização e à discriminação, ao incitamento à violência e à violência contra pessoas baseadas na religião ou na crença, que constitui uma plataforma promissora para uma ação eficaz, integrada e inclusiva da comunidade internacional. Esta resolução requer a implementação e o acompanhamento constante a nível nacional pelos Estados, nomeadamente através do Plano de Ação de Rabat, que contribui para o seu cumprimento.

Recomendações aos Estados

42. Os Estados devem reforçar o seu envolvimento em esforços amplos para combater os estereótipos negativos e a discriminação contra indivíduos e comunidades com base na sua nacionalidade, etnia, religião ou crença.

43. Os Estados devem promover a compreensão intercultural, inclusive sobre a sensibilidade à igualdade de gênero. A este respeito, todos os Estados têm a responsabilidade de construir uma cultura de paz e um dever de pôr fim à impunidade.

44. Os Estados devem promover e fornecer formação de professores sobre os valores e princípios dos direitos humanos, e introduzir ou fortalecer a compreensão intercultural como parte do currículo escolar para estudantes de todas as idades.

45. Os Estados devem desenvolver a capacidade de capacitar e sensibilizar as forças de segurança, os agentes de aplicação da lei e os envolvidos na administração da justiça sobre questões relativas à proibição do incitamento ao ódio.

46. Os Estados devem considerar a criação de órgãos de igualdade, ou reforçar essa função dentro das instituições nacionais de direitos humanos (que foram estabelecidas de acordo com os Princípios de Paris) com competências ampliadas para promover o diálogo social, mas também em relação à aceitação de queixas sobre incidentes de incitamento ao ódio. A fim de tornar essas funções eficientes, são necessárias novas diretrizes, testes e boas práticas adaptadas para evitar práticas arbitrárias e melhorar a coerência internacional.

47. Os Estados devem assegurar os mecanismos e instituições necessários para garantir a coleta sistemática de dados em relação ao incitamento a crimes de ódio.

48. Os Estados devem ter em vigor uma política pública e um enquadramento regulatório que promova o pluralismo e a diversidade dos meios de comunicação, incluindo os novos meios de comunicação, e que promova a universalidade e a não discriminação no acesso e uso dos meios de comunicação.

49. Os Estados devem reforçar os atuais mecanismos internacionais de direitos humanos, em particular os órgãos do tratado de direitos humanos, como o Comitê de Direitos Humanos e o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, bem como os titulares de mandatos dos procedimentos especiais, visto que fornecem aconselhamento e apoio aos Estados no que diz respeito às políticas nacionais de implementação do direito dos direitos humanos.

Recomendações às Nações Unidas

50. O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) deve ter recursos adequados para apoiar adequadamente os mecanismos internacionais de peritos que trabalham para proteger a liberdade de expressão e a liberdade de religião, e evitar o incitamento ao ódio e à discriminação e sobre temas relacionados. A este respeito, os Estados devem apoiar os esforços do Alto Comissariado para os Direitos Humanos com vista a reforçar os órgãos de tratado de direitos humanos bem como a garantia da disponibilização de recursos adequados para os mecanismos de procedimentos especiais.

51. O ACNUDH é convidado a trabalhar em conjunto com os Estados que desejam aproveitar seus serviços para aprimorar seu quadro normativo e político interno em relação à proibição do incitamento ao ódio. A este respeito, o ACNUDH deve considerar – inspirando-se nas quatro oficinas regionais de peritos – o desenvolvimento de ferramentas, incluindo uma compilação de melhores práticas e elementos de uma legislação modelo sobre a proibição do incitamento ao ódio, tal como refletido no direito internacional dos direitos humanos. O ACNUDH deveria também considerar a organização de colóquios judiciais regulares, a fim de atualizar as autoridades judiciais nacionais e estimular a partilha de experiências relacionadas com a proibição do incitamento ao ódio, que enriqueceria o desenvolvimento progressivo da legislação nacional e da jurisprudência sobre esta questão em evolução.

52. Os órgãos de tratado de direitos humanos e os titulares de mandato dos procedimentos especiais pertinentes devem reforçar as suas sinergias e cooperação, nomeadamente através de uma ação conjunta, conforme adequado, para denunciar casos de defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constituam incitamento à discriminação, hostilidade ou violência.

53. Várias entidades do sistema das Nações Unidas, incluindo o ACNUDH, a Aliança das Civilizações das Nações Unidas e o Gabinete do Assessor Especial para a Prevenção de Genocídio, devem reforçar a sua cooperação, a fim de maximizar as sinergias e estimular a ação conjunta

54. Cooperação e partilha de informação a) entre vários mecanismos regionais e inter-regionais, tais como o Conselho da Europa, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa, a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos, a União Africana, a Associação das Nações do Sudeste Asiático, assim como a Organização para a Cooperação Islâmica, e b) entre essas organizações e a Organização das Nações Unidas devem ser ainda mais reforçadas.

55. Considerar a implementação, a nível nacional e em cooperação com os Estados, de medidas para realizar as recomendações dirigidas aos Estados.

Recomendações a outras partes interessadas

56. As organizações não governamentais, as instituições nacionais de direitos humanos, bem como outros grupos da sociedade civil devem criar e apoiar mecanismos e diálogos para promover a compreensão e a aprendizagem interculturais e inter-religiosas.

57. Os partidos políticos devem adotar e aplicar diretrizes éticas em relação à conduta de seus representantes, particularmente no que diz respeito ao discurso público.

58. A autorregulação, quando eficaz, continua a ser a forma mais adequada de abordar questões profissionais relacionadas com os meios de comunicação. De acordo com o princípio 9 dos princípios de Camden, todos os meios de comunicação devem, como responsabilidade moral e social e através da autorregularão, desempenhar um papel no combate à discriminação e na promoção da compreensão intercultural, incluindo a consideração sobre o seguinte:

(a) Ter o cuidado de comunicar com atenção ao contexto e de forma factual e sensível, assegurando ao mesmo tempo que os atos de discriminação sejam levados ao conhecimento do público.

(b) Estar alerta para o perigo de promover a discriminação ou estereótipos negativos de indivíduos e grupos na mídia.

(c) Evitar referências desnecessárias à raça, religião, gênero e outras caraterísticas do grupo que possam promover a intolerância.

(d) Aumentar a consciência sobre os danos causados pela discriminação e estereotipagem negativa.

(e) Relatar sobre diferentes grupos ou comunidades e dar a seus membros a oportunidade de falar e ser ouvidos de forma que promova uma melhor compreensão deles, refletindo também as perspetivas desses grupos ou comunidades.

59. Além disso, os códigos de conduta profissional voluntários para meios de comunicação e jornalistas devem refletir o princípio da igualdade, e devem ser tomadas medidas eficazes para promulgar e implementar esses códigos.


IV. Conclusão

60. Embora o conceito de liberdade de expressão tenha recebido atenção sistemática no direito internacional dos direitos humanos e em muitas legislações nacionais, a sua aplicação prática e o seu reconhecimento não são plenamente respeitados por todos os países do mundo. Ao mesmo tempo, as normas internacionais de direitos humanos sobre a proibição do incitamento ao ódio nacional, racial ou religioso ainda precisam ser integradas na legislação e nas políticas internas em muitas partes do mundo. Isso explica tanto a dificuldade objetiva quanto a sensibilidade política de definir esse conceito de maneira que respeite a liberdade de expressão.

61. As conclusões e recomendações anteriores são passos para enfrentar esses desafios. Espera-se que impulsionem tanto esforços nacionais como a cooperação internacional nesta área.



NOTAS DE RODAPÉ:

1 Artigo 20, parágrafo 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos afirma que “qualquer defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, hostilidade ou violência será proibida por lei.” Ao longo deste documento, tal incitamento será referido como “incitamento ao ódio”.

2 As quatro oficinas de peritos regionais e a reunião de Rabat reuniram cerca de 45 peritos de diferentes origens, e mais de 200 observadores participaram nos debates.

3 A mensagem do Alto Comissário às quatro oficinas de peritos, bem como os estudos preliminares, os documentos de peritos, as contribuições das partes interessadas e os relatórios de reuniões estão disponíveis em www.ohchr.org/ EN/Issues/FreedomOpinion/Articles1920/pages/Index.aspx

4 Ver Artigo 19, Princípios de Camden sobre Liberdade de Expressão e Igualdade, (Londres, abril de 2009), Princípio 11.

5 De acordo com o princípio 12, os sistemas jurídicos nacionais devem deixar claro, seja explicitamente ou através de interpretação autorizada, que os termos “ódio” e “hostilidade” se referem a emoções intensas e irracionais de opróbrio, inimizade e detestação em relação ao grupo-alvo; o termo “advocacia” deve ser entendido como exigindo uma intenção de promover o ódio publicamente em relação ao grupo-alvo; e o termo “incitação” refere-se a declarações sobre grupos nacionais, raciais ou religiosos que criam um risco iminente de discriminação, hostilidade ou violência contra pessoas pertencentes a esses grupos.

6 Estes princípios foram elaborados pelo ARTIGO 19 com base em discussões multissetoriais envolvendo peritos no direito internacional dos direitos humanos sobre questões de liberdade de expressão e igualdade. Os princípios representam uma interpretação progressiva do direito e das normas internacionais, da prática aceita do Estado (como se reflete, entre outros, nas leis nacionais e nas sentenças dos tribunais nacionais), e dos princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações.