Ortega Moratilla v. Espanha

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REQUERIMENTO 17522/90[1]

 

 

 

 

 

Igreja Batista "El Salvador" e José Aquilino ORTEGA MORATILLA v. ESPANHA

 

 

 

 

 

DECISÃO de 11 de janeiro de 1992 sobre a admissibilidade do requerimento

 

 

 

 

 

Artigo 9, parágrafo 1 da Convenção. Esta disposição não autoriza o direito de se opor à legislação (lei tributária), cujo funcionamento é previsto pela Convenção e que se aplica de forma neutra e geral em termos de liberdade de consciência.

 

O direito à liberdade religiosa não garante às igrejas ou aos seus seguidores um status tributário diferente do de outros contribuintes. Em particular, não inclui o direito de isenção de impostos para lugares de culto.

 

Artigo 14 da Convenção, em conjunto com o Artigo 9 da Convenção. Não é discriminatório conceder à Igreja Católica isenções fiscais previstas em um Concordato firmado entre o Estado requerido e a Santa Sé, o qual envolve obrigações recíprocas, mas sim   negar o mesmo tratamento fiscal a outra igreja que não tenha celebrado um acordo similar com o Estado.

 

 

 

(TRADUÇÃO)

 

OS FATOS

 

O primeiro requerente é uma igreja evangélica protestante que está registrada como associação religiosa desde 1969. O segundo requerente é um cidadão espanhol nascido em 1929 e residente em Valência. Ele é um ministro protestante. Os dois requerentes são representados pelo Sr. Miguel Ramon Manceto Monge, advogado atuante em Valência.

 

Os fatos do caso, conforme apresentados pelos requerentes, podem ser resumidos da seguinte forma:

 

Em 21 de junho de 1985, os requerentes solicitaram isenção de imposto sobre propriedade em relação ao seu local de culto em Valência, argumentando, em particular, que a Igreja Católica desfrutava dessa isenção. A repartição  de impostos indeferiu esse pedido com base no fato de que a isenção concedida à Igreja Católica estava prevista no Concordato entre a Espanha e a Santa Sé, assinado em 1979, enquanto não havia base legal para conceder aos requerentes tal isenção. Os requerentes, então, recorreram aos tribunais administrativos. Em 28 de fevereiro de 1990, a Audiência Territorial de Valência decidiu contra eles. Seu subsequente recurso de amparo foi rejeitado em 3 de maio de 1990 pelo Tribunal Constitucional, que observou, em particular, que, de acordo com a Lei da Liberdade Religiosa (Lei Institucional nº 7/1970), o Estado poderia celebrar acordos de cooperação que previam isenções fiscais, entre outras coisas, com igrejas, de acordo com o número de seus seguidores, a força de suas raízes na sociedade espanhola e as crenças da maioria dos cidadãos espanhóis. Como nenhum acordo desse tipo havia sido concluído com o primeiro requerente, ele não tinha o direito de reivindicar as isenções fiscais em questão.

 

 

A LEGISLAÇÃO

1. Os requerentes reclamam, em primeiro lugar, que a cobrança de imposto sobre propriedade em relação aos locais que utilizam para culto viola seu direito à liberdade religiosa estabelecido no Artigo 9 da Convenção, que dispõe o seguinte:

 

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade, tanto sozinho quanto em comunidade com outros e em público ou em particular, de manifestar sua religião ou crença, em culto, ensino, prática e observância.

 

2. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença está sujeita apenas às  limitações estabelecidas por lei e que sejam necessárias em uma sociedade democrática, em prol da segurança pública, da proteção da ordem pública, da saúde ou da moral, ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

 

A Comissão observa que, nos termos dessa disposição, o direito à liberdade religiosa inclui o direito de manifestar a própria religião, em público ou em particular, em culto ou observância. A possibilidade de possuir instalações abertas aos adeptos e utilizadas para tais propósitos é claramente um dos meios de exercer esse direito. No entanto, a Comissão não vê como um direito de isenção de lugares de culto de todas as formas de tributação possa ser derivado do Artigo 9 da Convenção. Ela considera que o direito à liberdade religiosa de forma alguma implica que igrejas ou seus adeptos devam ter um status fiscal diferente dos demais contribuintes. A possibilidade mencionada pelos requerentes de que os locais utilizados para culto sejam apreendidos por ordem judicial é, neste caso, apenas hipotética, e os requerentes não podem alegar ser vítimas reais de tal medida no sentido do Artigo 25 da Convenção.

 

Segue-se que, nesse aspecto, o requerimento é manifestamente improcedente e deve ser rejeitado nos termos do Artigo 27, parágrafo 3, da Convenção.

 

2. Os requerentes alegam ainda que, como a Igreja Católica na Espanha desfruta de isenção de imposto sobre propriedade em relação aos lugares de culto, a recusa do seu pedido de serem tratados da mesma forma para fins fiscais viola o Artigo 14 da Convenção, em conjunto com o Artigo 9.

 

O Artigo 14 da Convenção dispõe o seguinte:

 

"O gozo dos direitos e liberdades estabelecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem qualquer discriminação, como por exemplo, em razão de sexo, raça, cor, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, associação com uma minoria nacional, propriedade, nascimento ou qualquer outra situação."

 

No entanto, a Comissão recorda que essa disposição não proíbe todas as diferenças de tratamento no exercício dos direitos e liberdades reconhecidos, sendo a igualdade de tratamento violada apenas quando a diferença de tratamento não tem justificativa objetiva e razoável (cf. Corte Europeia de Direitos Humanos, Julgamento Linguístico Belga de 9 de fevereiro de 1967, Série A nº 5, parágrafo 38).

 

A Comissão observa que a Lei da Liberdade Religiosa (Lei Institucional nº 7/1980) autoriza acordos entre o Estado e as diversas igrejas ou associações religiosas, de acordo com o número de seus adeptos e as crenças da maioria dos cidadãos espanhóis. Ela observa que as isenções fiscais desfrutadas pela Igreja Católica na Espanha são previstas nos acordos concluídos em 3 de janeiro de 1979 entre a Espanha e a Santa Sé, que impõem obrigações recíprocas às duas partes. Por exemplo, a Igreja Católica comprometeu-se a colocar seu patrimônio histórico, artístico e documental a serviço do povo espanhol (Acordo sobre assuntos educacionais e culturais, Artigo XV). Por outro lado, seus locais de culto desfrutam de isenção de impostos (Acordo sobre assuntos econômicos, Artigo IV).

 

Contudo, a igreja requerente não concluiu tal concordata com o Estado espanhol, e não consta nos autos que tenha buscado fazê-lo. Consequentemente, ela não tem as mesmas obrigações a cumprir em relação ao Estado.

 

Segue-se que essa queixa deve ser rejeitada por ser manifestamente improcedente no sentido do Artigo 27, parágrafo 2, da Convenção.

 

3. Por fim, os requerentes alegam que as quantias que são obrigados a pagar em imposto sobre propriedade contribuem indiretamente para o financiamento da Igreja Católica devido às ajudas que esta recebe do Estado.

 

Nesse sentido, a Comissão recorda que a obrigação de pagar impostos é geral e não possui, em si mesma, implicações de consciências específicas. Sua neutralidade a esse respeito também é ilustrada pelo fato de que nenhum contribuinte pode influenciar ou determinar o propósito para o qual suas contribuições são aplicadas, uma vez que são arrecadadas. Além disso, o poder de tributação é expressamente reconhecido pelo sistema da Convenção e é atribuído ao Estado pelo Artigo 1º do Protocolo nº 1 (cf. No 10358/83, Dec 15 12 83, D R 37 pp. 142, 147). A Comissão observa ainda que os requerentes de forma alguma estabeleceram ou mesmo alegaram que o imposto sobre propriedade é um imposto usado para um propósito específico.

 

Segue-se que o Artigo 9 não lhes confere qualquer direito de recusar, com base nisso, submeter-se à legislação tributária em vigor.

 

Consequentemente, o restante do requerimento também é manifestamente improcedente, nos termos do Artigo 27, parágrafo 2, da Convenção.

 

Por esses motivos, por maioria, a Comissão

 

DECLARA O REQUERIMENTO INADMISSÍVEL.

 



[1] Tradução: Camila Milan Garcia; Revisão: Giovanna Netto