Baixe aqui os 18 Compromissos em PDF. O documento pode ser encontrado também no site do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos (clique aqui).
Nós, atores da sociedade civil e religiosa, trabalhando no campo dos direitos humanos e reunidos em Beirut entre os dias 28 e 29 de março de 2017, expressamos uma profunda convicção de que nossas respectivas religiões e crenças compartilham de um compromisso comum de defender a dignidade e o igual valor de todos os seres humanos. Valores humanos compartilhados e igual dignidade são, portanto, raízes comuns de nossas culturas. Fé e direitos devem ser esferas que se reforçam mutuamente. Expressões individuais e comunitárias de religiões ou crenças prosperam e florescem em ambientes onde os direitos humanos, baseados na igual dignidade de todos os indivíduos, são protegidos. Do mesmo modo, os direitos humanos podem se beneficiar dos fundamentos éticos e espirituais profundamente arraigados, providos por religiões ou crenças.
A presente Declaração sobre “Fé pelos Direitos” alcança pessoas pertencentes a religiões e crenças de todas as regiões do mundo, visando fortalecer sociedades coesas, pacíficas e respeitosas, com base em uma plataforma comum orientada para a ação, acordada por todos os interessados, e aberta a todos os atores que compartilham de seus objetivos. Apreciamos que nossa Declaração sobre "Fé pelos Direitos", à semelhança de seu precedente originário, o Plano de Ação de Rabat, foram ambos concebidos e conduzidos sob os auspícios e com o apoio das Nações Unidas, que representa todas as pessoas do mundo, e enriquecidos pelos mecanismos de direitos humanos da ONU, tais como Relatores Especiais e membros dos órgãos de tratados.
O Plano de Ação de Rabat1 de 2012 articula três responsabilidades centrais específicas dos líderes religiosos: (a) Líderes religiosos devem se abster do uso de mensagens de intolerância ou de expressões que possam incitar a violência, a hostilidade ou a discriminação; (b) Líderes religiosos também possuem o papel crucial de manifestarem-se firme e prontamente contra a intolerância, os estereótipos discriminatórios e os casos de discurso de ódio; e (c) Líderes religiosos precisam deixar claro que a violência nunca deve ser tolerada como uma resposta à incitação ao ódio (por exemplo, violência não se justifica por ter sido provocada anteriormente).
Para que seja dado efeito concreto aos três núcleos de responsabilidades acima articulados pelo Plano de Ação de Rabat, o qual tem sido repetidamente invocado de maneira positiva pelos Estados, nós formulamos a seguinte carta dos 18 compromissos sobre “Fé pelos Direitos” 2, incluindo ações de acompanhamento correspondentes:
I. Nossa principal responsabilidade é nos levantarmos e agirmos em defesa do direito de todos à liberdade de escolha, particularmente em favor da liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença. Afirmamos nosso comprometimento às normas3 e padrões4 universais, incluindo o Artigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o qual não permite quaisquer limitações à liberdade de pensamento e consciência, ou à liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença a partir de uma escolha pessoal. Essas liberdades, incondicionalmente protegidas por normas universais, são também sagradas e inalienáveis de acordo com ensinamentos religiosos.
II. Nós vemos a presente Declaração sobre “Fé pelos Direitos” como um padrão mínimo comum aos crentes (sejam teístas, não teístas, ateus ou outros), baseado em nossa convicção de que as interpretações de religião ou crença devem acrescentar ao nível de proteção da dignidade humana que as leis criadas pelos seres humanos fornecem.
III. Como religiões são necessariamente sujeitas a interpretações humanas, nós nos comprometemos a promover um engajamento construtivo sobre o entendimento dos textos religiosos. Consequentemente, o pensamento crítico e o debate sobre assuntos religiosos não devem apenas ser tolerados, mas também encorajados como um requerimento para interpretações religiosas esclarecidas em um mundo globalizado, composto por sociedades cada vez mais multiculturais e multirreligiosas, as quais constantemente enfrentam desafios crescentes.
IV. Prometemos apoiar e promover o tratamento igualitário em todas as áreas e manifestações de religião ou crença, e denunciar todas as formas de práticas discriminatórias. Comprometemo-nos também a prevenir o uso da noção de “religião estatal” para discriminar contra qualquer indivíduo ou grupo, e consideramos qualquer interpretação nesse sentido como contrária à unicidade da humanidade e à igual dignidade humana. Da mesma forma, nos comprometemos a evitar que o uso do “secularismo doutrinário” reduza o espaço para o pluralismo religioso ou de crença na prática.
V. Prometemos assegurar a não discriminação e igualdade de gênero na implementação desta Declaração sobre “Fé pelos Direitos”. Nós especificamente nos comprometemos a revisitar, cada um em sua respectiva área de competência, aquelas interpretações e compreensões religiosas que aparentam perpetuar desigualdade de gênero e estereótipos prejudiciais, ou até mesmo incentivar a violência de gênero. Comprometemo-nos a assegurar justiça e igualdade a todos, assim como afirmar o direito de todas as mulheres, meninas e meninos de não serem submetidos a qualquer forma de discriminação ou violência, incluindo práticas nocivas como mutilação genital feminina, casamento infantil ou forçado, e crimes cometidos em nome da assim chamada honra.
VI. Prometemos defender os direitos de todas as pessoas pertencentes a minorias dentro de nossas respectivas áreas de ação e defender sua liberdade de religião ou crença, assim como seu direito de participar de forma igual e efetiva na vida cultural, religiosa, social, econômica e pública, como reconhecido pelo direito internacional dos direitos humanos, como padrão mínimo de solidariedade entre todos os crentes.
VII. Prometemos denunciar publicamente todas as instâncias de apologia ao ódio que incitem a violência, a discriminação ou a hostilidade, incluindo aquelas que levam a crimes de atrocidade. Possuímos a responsabilidade direta de denunciar tal apologia, particularmente quando é conduzida em nome de religião ou crença.
VIII. Portanto, nós prometemos estabelecer, cada um em suas respectivas esferas, políticas e metodologias para monitorar interpretações, determinações ou outras visões religiosas que estejam manifestamente em conflito com normas e padrões universais de direitos humanos, independentemente de serem pronunciadas por instituições formais ou por indivíduos autonomeados. Pretendemos assumir essa responsabilidade de maneira objetiva e disciplinada apenas dentro de nossas respectivas áreas de competência de maneira introspectiva, sem julgar a fé ou as crenças dos outros.
IX. Nós também nos comprometemos a evitar, fazer apologia contra, e conjuntamente condenar qualquer juízo público feito por qualquer ator que, em nome da religião, pretenda desqualificar a religião ou a crença de outro indivíduo ou comunidade de maneira que os exponha à violência em nome da religião ou à privação de seus direitos humanos.
X. Nós prometemos não dar crédito a interpretações excludentes que reivindiquem razões religiosas de maneira que venham a instrumentalizar religiões, crenças ou seus seguidores a incitarem o ódio e a violência, por exemplo, com fins eleitorais ou para obtenção de ganhos políticos.
XI. Nós igualmente nos comprometemos a não oprimir vozes críticas e pontos de vista sobre questões de religião ou crença, por mais erradas ou ofensivas que possam ser percebidas, em nome da “santidade” da matéria, e exortamos os Estados que ainda possuem leis anti-blasfêmia ou anti-apostasia a revogá-las, visto que tais leis têm um forte impacto no gozo da liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença, e também no debate e diálogo saudáveis sobre questões religiosas.
XII. Nós nos comprometemos a refinar ainda mais os currículos, materiais e livros didáticos onde quer que as interpretações religiosas ou a maneira pela qual são apresentadas possam aumentar a percepção de que violência ou discriminação são permitidas. Nesse contexto, nos comprometemos a promover o respeito ao pluralismo e à diversidade no campo da religião ou crença, assim como o direito de não receber instrução religiosa que é inconsistente com sua convicção. Nós também nos comprometemos a defender a liberdade acadêmica e a liberdade de expressão, em consonância com o Artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, dentro do discurso religioso, a fim de defender que o pensamento religioso é capaz de confrontar novos desafios, assim como facilitar o pensamento livre e criativo. Nos comprometemos a apoiar esforços na área de reformas religiosas em áreas educacionais e institucionais.
XIII. Nós prometemos construir sobre as experiências e lições aprendidas no engajamento com crianças e jovens que são vítimas da ou vulneráveis à incitação à violência em nome da religião, a fim de desenvolvermos metodologias, ferramentas adaptadas e narrativas para permitir que as comunidades religiosas lidem efetivamente com esse fenômeno, com especial atenção ao importante papel dos pais e familiares na detecção e enfrentamento de sinais precoces de vulnerabilidade das crianças e jovens à violência em nome da religião.
XIV. Nós prometemos promover, dentro de nossas respectivas esferas de influência, a necessidade imperativa de assegurar o respeito em todas as atividades de assistência humanitária aos Princípios de Conduta para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e ONGs em Programas de Resposta a Desastres6, especialmente para que a ajuda seja concedida independentemente da crença dos beneficiários, sem qualquer espécie distinção prejudicial, e que a ajuda não seja usada para promover um ponto de vista religioso.
XV. Nós prometemos não forçar e não explorar pessoas em situações vulneráveis a se converterem de suas religiões ou crenças, enquanto respeitamos plenamente a liberdade de todos de ter, adotar ou mudar de religião ou crença e o direito de expressá-la através de ensino, prática, adoração e observância, seja individualmente ou em comunidade com outros, em público ou privado.
XVI. Comprometemo-nos a alavancar o peso espiritual e moral das religiões e crenças com o objetivo de fortalecer a proteção dos direitos humanos universais e desenvolver estratégias preventivas que adaptamos aos nossos contextos locais, beneficiando do potencial apoio das entidades relevantes das Nações Unidas.
XVII. Comprometemo-nos a apoiar uns aos outros na implementação desta Declaração por meio do intercâmbio de práticas, do aprimoramento mútuo de capacidade e de atividades regulares de atualização de habilidades para pregadores, professores e instrutores espirituais e religiosos, especialmente nas áreas de comunicação, minorias religiosas ou de crença, mediação intercomunitária, resolução de conflitos, detecção precoce de tensões comunitárias e medidas corretivas. Para tanto, iremos explorar meios para o desenvolvimento de duradouras parcerias com instituições acadêmicas especializadas, de modo a promover pesquisas interdisciplinares sobre questões específicas relacionadas à fé e aos direitos, e para beneficiar-se de seus resultados, que podem ser integrados aos programas e ferramentas de nossa aliança sobre Fé pelos Direitos.
XVIII. Nós prometemos usar os meios tecnológicos de forma mais criativa e consistente para divulgar esta Declaração e as subsequentes mensagens sobre Fé pelos Direitos, a fim de promover sociedades coesas enriquecidas pela diversidade, inclusive na área de religiões e crenças. Também iremos buscar meios para produzir ferramentas de capacitação e disseminação, oferecendo-as em diferentes idiomas para uso ao nível local.
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1 Ver UN Doc. A/HRC/22/17/Add.4, anexo, apêndice, para. 36.
2 Ver Artigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos: “(1) Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. (2) Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. (3) A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. (4) Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais - de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções”.
3 Estes incluem: Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (1948); Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979); Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); Convenção sobre os Direitos da Criança (1989); Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias (1990); Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006); e Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados (2006).
4 Estes incluem: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções (1981); Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (1992); Princípios de Conduta para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e ONGs em Programas de Resposta a Desastres (1994); Declaração da UNESCO de Princípios sobre a Tolerância (1995); Documento Final da Conferência Consultiva Internacional sobre Educação Escolar em Relação à Liberdade de Religião ou Crença, Tolerância e Não-Discriminação (2001); Princípios Orientadores de Toledo acerca do Ensino sobre Religiões e Crenças nas Escolas Públicas (2007); Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007); Declaração de Haia sobre “Fé nos Direitos Humanos” (2008); Princípios de Camden sobre Liberdade de Expressão e Igualdade (2009); Resolução 16/18 do Conselho de Direitos Humanos sobre o Combate à Intolerância, Estereótipos Negativos e Estigmatização, e à Discriminação, Incitação à Violência e Violência contra Pessoas por Motivo de Religião ou Crença (e o Processo de Istambul, 2011); Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência (2012); Quadro de Análise para Crimes de Atrocidade (2014); Plano de Ação do Secretário-Geral para Prevenir o Extremismo Violento (2015); bem como a Declaração de Fez sobre a prevenção da incitação à violência que poderia conduzir a crimes de atrocidade (2015).
5 Todas as citações de textos religiosos ou de crença foram oferecidas pelos participantes do workshop realizado em Beirut de acordo com suas religiões ou crenças, e destinam-se a ser meramente ilustrativas e não exaustivas.
6 Ver http://www.icrc.org/eng/assets/files/publications/icrc-002-1067.pdf.
http://www.ohchr.org/EN/Issues/FreedomReligion/Pages/FaithForRights.aspx
* Tradução feita pelo Centro Brasileiro de Estudos em Direito e Religião (www.direitoereligiao.org).